Esta semana tive um sonho onde eu me encontrava em plena guerra. Nas cenas, eu não guerrilhava, me situava na condição de observadora, tal qual assistisse a um filme. Diante daquela circunstância testemunhei sentimentos, meus e dos que se encontravam na linha de frente. Lembrei-me de um bilhete que uma filha do coração me enviou uma vez: “quem está nas trincheiras contigo? E isso importa? Mais do que a própria guerra”.

Só há duas opções quando se lida com o medo: recuar ou encarar. Eu não sou do time da inércia. Vou pra ação e assumo as consequências. Ao acordar, lembrei de uma mentora da minha infância. Chama-se Chiara Lubich, uma italiana missionária. Participei de um grupo de crianças e adolescentes chamado Gen3, criado por ela. Chiara era católica mas nunca nos induziu para a sua religião. Morava na Itália e viveu parte de sua juventude durante a Segunda Guerra Mundial. Nos correspondíamos mensalmente através de cartas e assim lhe enviava informações dos projetos solidários do Gen3 lá no Baixo São Francisco.

Chiara inspirou uma geração de jovens e aquele sonho de guerra me fez lembrar da sua serenidade. Aprendi com ela que guerra é um estado de ser. As bombas podem estar explodindo lá fora e você se mantém no eixo do equilíbrio. O quanto um comportamento alheio pode lhe afetar? Aprender a discernir o que é meu, fruto de traumas, carências e emoções, e exclusivamente do outro, é uma questão de sobrevivência.

Talvez a guerra simbolize uma inconsciência coletiva que estamos presenciando. Chiara nos relatava que amigos e familiares passavam dias, semanas, entocados num esconderijo debaixo da terra, vivendo privações de todos os tipos: desde alimentação às condições sanitárias. Quando eu perguntava o que os mantinham vivos naquele escuro sem fim, sem perspectivas, ela me dizia só uma palavra: fé.

Às vezes, por escolha, nos inserimos na guerra. E também, por livre arbítrio, desistimos dela. “Desistir, ainda que não pareça, foi meu grande gesto de coragem. Nada em mim foi covarde, nem mesmo as desistências”, apontava-me um texto do jornalista e dramaturgo, Caio Fernando Abreu.

A fé pela qual Chiara nos apresentava era feita de labor. Ela jamais nos ensinou a rezar um terço, que mal nenhum faz, contudo, nos mostrava que tudo está para ser feito, que havia muito trabalho. E incansavelmente nos mandava ir aos asilos para conversar e fazer companhia aos idosos. E como eles apreciavam a nossa presença! Eu me encarregava de levar música e “jornalistar”. Entrevistava cada um e sabia dos ‘causos’ de amor, da boemia, dos rebeldes e até dos tímidos eu arrancava segredos.

Entendi como o tempo era o bem mais precioso que podíamos reservar a alguém. No buraco negro da Segunda Guerra, Chiara dizia que o tempo demorava a passar no esconderijo. Então eles cantavam, ela presenciava choros, mas também risadas, e assim se conhecia a luz e sombra da alma humana. Tempo nunca foi dinheiro. Quanta mentira nos ensinaram e até hoje estão trocando ‘tiros e bombas’ à custa de moedas. No Gen3 eu era a responsável por redigir as cartas para Chiara, registrar nossos trabalhos sociais com fotos e estabelecer a comunicação do grupo via telefone. Nem sabia para o quê me preparava. O fato é que meu pilar profissional também foi moldado ali.

Viver em quarentena sem prazo de validade é um tipo de guerra invisível e solitária. É sua mente contra você. Faz muito tempo que o homem vive em guerra com ele próprio. E o que se passa no ambiente externo é apenas uma representação gigantesca do nosso interior. Estamos contaminados, mas temos a opção de desistir da guerra interior. Utópico? Sejamos práticos e façamos nossas escolhas. Quando deixamos de fazer escolhas, trava-se uma guerra. Olhe ao redor, onde você foi convidado a estar. Num buraco fundo ou não, ali encontra-se seu trabalho. E assim como um vírus pode contagiar milhões, o que se é também tem este poder influenciador. Começa sempre por dentro. A faxina é interna, num esconderijo que não queremos ter acesso, mas não há outro meio para se conhecer. Não há uma única noite escura que resista ao primeiro raio de sol. Sempre amanhecerá e a gente um dia acordará do sonho de guerra. Sigamos em paz.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

  • Nova regra exige que empresas avaliem riscos à saúde mental no trabalho a partir de maio

    A partir de maio deste ano, as empresas brasileiras terão [...]

  • Com reestruturação, Ligue 180 amplia atendimento à mulher

    A reestruturação da Central de Atendimento à Mulher - Ligue [...]

  • Governo de Sergipe garante kits escolares e fardamento para estudantes da rede estadual

    Cadernos, canetas, lápis e uniformes não são apenas itens básicos [...]

  • Políticos “frios” e “impopulares” não serão eleitos e nem reeleitos em 2026

    A eleição de 2026 já se iniciou nos bastidores da [...]

  • ARACAJU – “Vocês terão portas abertas para tratar de todas as demandas”

    Emília Corrêa enviará para a CMA projetos para criar e [...]