Maquiavel é tido como o pai da Política moderna por ter estabelecido um procedimento analítico que se distingue do aristotélico, até então predominante. Para o florentino, as relações de poder precisam ser observadas à luz dos fatos históricos, ou seja, deve-se extrair da experiência ensinamentos necessários para compreender como o governante age no sentido de manter-se no poder. Grosso modo, com Maquiavel, inicia-se o que mais tarde seria denominada de realpolitik.

A votação da PEC do Precatórios, conhecida como PEC do calote, entra para a história como mais um exemplo da realpolitik. Com o voto de 312 deputados/as federais, inclusive 7 parlamentares sergipanos2, a PEC deve liberar algo em torno de 91,6 bilhões de reais no orçamento da União para 2022.

Entre aqueles/aquelas que votaram a favor ou contra o projeto, encontram-se parlamentares dos mais variados espectros político-ideológicos. Talvez o exemplo mais curioso seja o fato de o PCdoB e NOVO colocaram todos/as os/as deputados/as de suas respectivas bancadas para votar contra a PEC.

A PEC tem gerado algumas polêmicas. A primeira delas é que, com parte dos recursos, o presidente Bolsonaro (sem partido) pretende financiar o recém lançado Auxílio Brasil, programa que substituiu o premiado Bolsa-família, e que destinará 400 reais para as famílias de baixa-renda até o final de 2022.

A segunda está associada ao fato de que parcela do dinheiro será destinada às emendas dos/as parlamentares em pleno ano eleitoral, reforçando a campanha de reeleição deles/as através de obras em seus redutos políticos.

Há um terceiro aspecto apresentado por agentes ligados ao setor financeiro. A PEC dos Precatórios abre espaço para que o teto do orçamento seja furado, colocando em risco as contas públicas e o equilíbrio fiscal.

Considerações à parte, nota-se que o quadro sucessório para a presidência do país começa para valer e a PEC do precatório é um elemento essencial.

Bolsonaro (sem partido), sofrendo com índices elevados de rejeição, vê na medida uma possibilidade de aumentar sua popularidade com vistas ao seu projeto de reeleição. Não é à toa que está ameaçando deputados/as de sua base com a não liberação de recursos das emendas parlamentares.

Na esfera oposicionista, Ciro Gomes (PDT), insatisfeito com o fato de 15 deputados/as federais do seu partido terem votado a favor da proposta, a exemplo do deputado Fábio Henrique (PDT), suspendeu sua pré-candidatura a presidente. Ele espera que os correligionários mudem de opinião no 2º turno da votação, algo que deve acontecer ao longo da semana.

O PT, embora tenha votado contra a PEC, tem intensificado a crítica ao projeto, principalmente no que diz respeito ao calote que os/as professores/as receberão. 30 bilhões dos precatórios deveriam ser destinados ao pagamento de dívidas da União com o FUNDEF. Além disso, acusa o governo federal de acabar com o Bolsa-família, substituindo-o por um programa que terá validade até o final de 2022.

Curiosamente, Bolsonaro (sem partido) acusava o Bolsa-família de ser um programa assistencialista, que dava o peixe em vez de ensinar as pessoas a pescarem, na época em que o PT governava o país. Como se vê, parece que ele mudou de opinião.

No ninho tucano, o pré-candidato Eduardo Leite (PSDB) cobrou dos/as correligionários que votem contra a PEC. A argumento dele é que a proposta fura o teto dos gastos, medida apoiada e incentivada pelo PSDB durante anos. Entretanto, dos 31 deputados/as federais do PSDB, 22 votaram a favor da proposta, situação que tende a se repetir em nova votação.

Nesse cenário, o ex-ministro do governo Bolsonaro, Sérgio Moro, filia-se ao Podemos e lança sua pré-candidatura à presidência do país. Seu colega de Lava Jato, Deltan Dallagnol, sai do Ministério Público e anuncia que disputará as eleições em 2022.

Em O príncipe, Maquiavel deixou como legado uma reflexão em torno da questão do poder político. Pode-se dizer que o florentino, com base na experiência histórica, escreveu uma obra para sugerir ao governante como agir diante das mais variadas situações durante o exercício do poder.

Entre as diversas interpretações realizadas ao longo dos últimos 5 séculos, há uma que diz que o objetivo do florentino não foi presentear o príncipe Lourenço de Medici com a obra, mas mostrar para a população as artimanhas de como os governantes mantêm-se no poder. Desse modo, especula-se que Maquiavel pretendeu ensinar ao povo como ter ciência dos reais interesses do governante ao propor/realizar algo. Em outros termos, Maquiavel deu ao povo um instrumento analítico do poder, visando sua libertação e posterior conquista do governo. 2022 é logo ali.